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6 de outubro de 2014

O que é fazer um negócio da China

A tênue fronteira entre o que você pensa ser um baita negócio e o que realmente é um baita negócio?

Responda rápido: o que é um negócio da China? Ganhar na loteria? Não, ganhar na loteria é muito mais do que isso, é um negócio da lua. Então, é negócio da China comprar um caminhão de bambolês a R$ 0,15 a unidade? Por acaso seria comprar bolachas a um terço do preço de custo para vender pela metade do preço normal de vendas no mês de aniversário da rede, mesmo que o lote traga itens com produtos a seis dias do vencimento?... Alguém dirá:

— Depende...

Se depender, não é negócio da China. Negócio da China é algo que não tenha erro, ou que tenha pouquíssimas chances de erro. Essa expressão é antiquíssima e tem relação com os produtos maravilhosos vindos do Oriente e que encantavam os europeus. Falamos de uma época em que os chineses eram vanguarda em quase tudo, incluindo comércio e ciência.

De volta aos supermercados brasileiros, podemos dizer que negócio da China é aquele feito com mais ciência que comércio.

— Por quê?

Vamos aos bambolês e às bolachas...

Era uma vez um comprador que recebeu a “irrecusável” proposta de um importador de bambolês:

— Por 15 centavos o bambolê, se eu fosse você levava a carga toda. Criança é tudo igual. Cê não se lembra da infância? Que menina não tinha um bambolê? Até os meninos se atreviam a rebolar, só pra mostrar que eram melhores que as meninas até no bambolê.

Diante dessa observação o comprador corou, mas realmente viu vantagem na negociação e encomendou os bambolês. No fundo, os argumentos do vendedor eram convincentes, sobretudo porque apelavam para fatos verídicos e, podemos dizer, por que não, universais na infância daqueles que hoje já passaram dos 40. E, verdade seja dita, essa história de “criança é tudo igual” é bastante questionável...

— Os bambolês encalharam, Rubens. Não vendemos um, unzinho. Cê faz ideia do abacaxi... Abacaxi não, que vende... Pepino... Pepino também não, que também vende... Cê faz ideia do bambolê que a gente tem na mão? — Disse-lhe seu chefe, o diretor comercial da empresa.

Diante da abundância de brinquedos eletrônicos, inclusive jogos de videogames de bambolê, que criança vai querer um bambolê de verdade? Tudo bem, muita gente, “das antigas”, prefere um bambolê de verdade a um de videogame, mas as crianças não são todas iguais, e as de hoje preferem o bambolê de videogame. Quem sabe amanhã não voltem a gostar do real.

Rubens fez o que pôde, sugeriu, para pelo menos desencalhar os bambolês, incluí-los como brinde vinculado à compra de um quilo de arroz. Os clientes levavam o arroz, mas abriam mão, sem cerimônia, do bambolê. Descobriu vexatoriamente o que poderia ter prevenido se estivesse atento ao mercado.

Tais fatos são mais comuns do que se pode imaginar. Por exemplo, o advento da máquina fotográfica digital fez muita loja ficar com rolos e mais rolos de filmes fotográficos encalhados em seus estoques. A desatenção ao curso dos hábitos de consumo provocou um fenômeno interessante: algumas empresas que compravam produtos com a nova tecnologia, porque sabiam de seu potencial de vendas, esqueciam-se de diminuir as compras de filmes das máquinas tradicionais, em queda livre de vendas.

Mas produtos fora de moda não são as únicas causas de mico de vendas, como são conhecidos esses casos de produtos cujas vendas perdem de goleada para as compras. O caso das bolachas, que não foi protagonizado por Rubens, pois se o fosse provavelmente resultaria em sua demissão, ilustra o mico de vendas fruto do oportunismo inoportuno...

O comprador recebe uma superoferta duma baita indústria de bolachas. Marca de primeira linha. O movimento na loja está quentíssimo, mês de aniversário. Porém, as bolachas têm prazo de validade de apenas seis dias. O comprador faz um cálculo mandraque, numa calculadora pouco científica e muito volúvel. Conclui: vale comprar... Compra. Daí, no dia em que as bolachas chegam às gôndolas, cai um toró que se estende por mais alguns dias. O movimento da loja reduz bem e as bolachas “morrem” nas gôndolas.

— Ah, mas a culpa não é dele. Que azar!

Sim, a sorte não estava ao seu lado. Mas será que a culpa foi só da chuva? Não havia um risco excessivo para uma aposta dessa natureza? Será que ele não conhecia a máxima bíblica “o imprevisto sobrevém a todos”? E os institutos de pesquisa meteorológica?... Tudo bem, querer que o comprador saiba até isso talvez seja demais... Mas talvez, não... Enfim, esse comprador não foi demitido. Afinal, errar é humano, mas teve de trabalhar bastante depois para recompor a margem da seção. Como era tão bom quanto Rubens, reparou e fez muito mais depois... Finais felizes são sempre preferíveis.

Por Wágner Hilário
Fonte: Revista SuperHiper fevereiro de 2011.